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Adesivo anti-stress de Meghan Markle tem efeitos comprovados?

Uma fotografia de Meghan Markle mostra que a duquesa de Sussex utiliza um adesivo anti-stress no pulso. Que dispositivo é este? Como funciona? E tem efeitos comprovados pela ciência?

27 Ago 2023 - 11:10
falso

Adesivo anti-stress de Meghan Markle tem efeitos comprovados?

Uma fotografia de Meghan Markle mostra que a duquesa de Sussex utiliza um adesivo anti-stress no pulso. Que dispositivo é este? Como funciona? E tem efeitos comprovados pela ciência?

Uma fotografia de Meghan Markle com um adesivo anti-stress colocado no pulso foi publicada em diversos sites noticiosos e de lifestyle e partilhada nas redes sociais. Este dispositivo é produzido por uma empresa norte-americana chamada NuCalm e, alegadamente, reduz os níveis de stress sem recorrer a “drogas”.

No website da empresa defende-se que este é um dispositivo “revolucionário que ativa o sistema nervoso parassimpático, através da ligação ao meridiano do pericárdio do corpo com frequências electromagnéticas específicas de neurotransmissores inibitórios para interromper o eixo HPA e desregular o tónus simpático”.

A NuCalm afirma estar autorizada pela FDA (regulador norte-americano para os medicamentos e alimentação) desde 2009.

No entanto, esta autorização parece não abranger os adesivos anti-stress. Em resposta ao New York Post, o porta-voz da FDA afirma que o regulador “não tem conhecimento de nenhum dispositivo médico comercializado legalmente sob o nome comercial NuCalm Biosignal Processing Disc”.  

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Numa pesquisa realizada pelo Viral à lista de estabelecimentos e aparelhos registados da FDA, apenas foram encontrados dois registos com referência à NuCalm: um para estimulador neurológico transcutâneo para aliviar a dor e um estimulador cranial de eletroterapia para o tratamento de insónias e/ou ansiedade.

Posto isto, o que se sabe sobre o efeito destes adesivos na redução do stress? Há evidência científica de que funcionam?

Adesivo anti-stress que Meghan Markle usa é eficaz e tem efeitos comprovados?

O psiquiatra João Perestrelo avança ao Viral que “o dispositivo não tem resultados comprovados e que se baseia na atuação sobre um ‘meridiano’, algo que nunca foi provado existir na medicina”.

No mesmo sentido, Diogo Telles Correia, psiquiatra e professor na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, “desaconselha vivamente” a utilização deste dispositivo que “traduz uma iniciativa baseada em pseudociência (teoria que não foi corroborada por estudos científicos que usem metodologia rigorosa e credível)”.

Maria Antónia Frasquilho, especialista em psiquiatria e em medicina do trabalho, acrescenta ainda que “não há qualquer evidência científica que permita validar a eficácia e utilidade” dos adesivos anti-stress.

A psiquiatra explica que este tipo de dispositivos se baseia na “conceção de saúde e doença associada aos chakras e aos meridianos” para a qual evidência científica é limitada e de baixa qualidade.

Os procedimentos de medicina alternativa, em particular a acupuntura, têm sido alvo de vários estudos científicos ao longo dos anos. No entanto, a qualidade da evidência que tem sido produzida nestes estudos tem sido alvo de críticas

Uma análise a 10 revisões sistemáticas sobre a utilização de acupuntura para o tratamento de ansiedade, que foi publicada em 2019, adianta que “a qualidade de todos os estudos incluídos era criticamente baixa”.

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“Apesar de a maioria das revisões incluídas indicarem que o grupo de acupuntura foi mais eficaz do que o grupo de controlo no tratamento da ansiedade, mais importante é que a qualidade metodológica das revisões incluídas e a qualidade das evidências foram baixas”, concluem os autores, sublinhando a necessidade de realizar estudos de elevada qualidade sobre este tema.

Maria Antónia Frasquilho lamenta que não haja estudos sobre o assunto e lembra que este tipo de dispositivos e terapêuticas alternativas podem ter um “efeito placebo” nos pacientes

“Os indivíduos estão a colocar um adesivo e creem muito que irá mudar as energias. Para o efeito placebo, o importante é que o paciente esteja convicto que o dispositivo faça efeito”, sustenta.

A especialista acrescenta que existem também adesivos com diferentes substâncias que alegadamente atuam na redução dos sintomas de stress, mas sublinha que os mesmos também não têm evidência comprovada cientificamente. 

Quais os sintomas associados ao stress e como tratar?

O stress é “uma reação da pessoa perante um desafio exigente que lhe é colocado”, começa por explicar Maria Antónia Frasquilho. 

Esta reação pode ser “uma emoção natural, um ‘bichinho’ que nos leva a trabalhar todos os dias para viver”, mas pode também ser “uma doença, em que a pessoa passa a um estado de nervosismo permanente, de inquietação e de frenesim em relação ao futuro”, prossegue a psiquiatra.

Quando o estado de ansiedade se torna patológico e começa a interferir com o dia a dia do paciente, poderá ser necessário procurar acompanhamento médico. 

Os sintomas associados à doença ansiosa são muito vastos e podem influenciar tanto o bem-estar psicológico como o físico. O tratamento tem duas vertentes: uma medicamentosa e outra de gestão de stress.

É preciso aprender a gerir o stress, ter meios para ultrapassar os desafios. Estes meios podem ser adquiridos através da psicoterapia, de técnicas de gestão e proteção de stress, de meditação, de uma boa higiene de sono. O objetivo é aprender a viver com os problemas”, explica Maria Antónia Frasquilho.

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Miguel Ricou, presidente do Conselho de Especialidade de Psicologia Clínica e da Saúde da Ordem dos Psicólogos Portugueses, também identifica a intervenção psicológica como uma forma de intervenção para o tratamento de situações associadas à gestão de stress. 

Através da psicoterapia, o paciente pode “reorientar as prioridades, alterar a forma como se vê o sucesso ou promover a organização da vida do indivíduo”. 

“Se virmos uma saída para a situação, todos conseguimos aguentar e não há efeitos negativos associados ao stress. Mas se for um estado crónico e o paciente não conseguir ver o fim daquela situação, é preciso alterar coisas. Caso contrário, estamos sempre a prejudicar o organismo”, esclarece.

O psicólogo alerta que a utilização de dispositivos que se apresentam como anti-stress não vão reduzir nem o nível de stress a que a pessoa está sujeita, nem as causas que o provocaram, mas – a comprovar-se o efeito – apenas atuam “limitando os sintomas negativos”.

É o mesmo que tomar fármacos para continuar a funcionar. No limite pode trazer consequências, mesmo que a pessoa não as sinta no momento”, explica o psicólogo, comparando a situação com os atletas que utilizam o doping para mascarar a fadiga.

Maria Antónia Frasquilho critica ainda o “mito urbano” de que os químicos utilizados nos medicamentos são prejudiciais à saúde: “Os fármacos são remédios. Químicos há em todo lado. O chá de camomila, por exemplo, também é químico, a própria água também é química.”

Conclusão: não existe evidência científica que comprove que os adesivos anti-stress que, supostamente, atua sobre o meridiano do pericárdio tem efeitos na gestão dos sintomas associados ao stress. 

Além disso, os estudos sobre a utilização de técnicas de acupuntura – que também se baseia em meridianos – no tratamento de ansiedade são de baixa qualidade e é necessário investigar mais sobre o caso. 

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Aprender a gerir o stress e promover um estilo de vida saudável podem ser estratégias para reduzir os sintomas de ansiedade perante desafios.

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Este artigo foi desenvolvido no âmbito do European Media and Information Fund, uma iniciativa da Fundação Calouste Gulbenkian e do European University Institute.

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Saúde mental

27 Ago 2023 - 11:10

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